10 de setembro de 2011

O Retorno


Estava pensando como sobre tinha sido meu dia de trabalho enquanto passávamos pelo posto de gasolina da esquina. Naquele ônibus lotado e caótico, minha única preocupação era em como terminar meu quadro que começara na noite anterior. Depois desse pensamento, me peguei rindo de mim mesma; pois ao longo dos anos a minha vida havia tornado-se tão tranqüila e todas minhas preocupações eram provenientes de meus próprios feitos. Sentia-me tão plena naqueles instantes. Um filho criado, um divórcio, muitos alunos, família e amigos. Minha vida se ampliava e se reduzia a pessoas e por elas que vivia. Realmente eu era bem preocupada com todos e no meio dessa reflexão cotidiana, me senti mais preocupada comigo do que em qualquer outro momento da minha vida inteira, ao longo desses 58 anos.
Passados alguns minutos sem ter uma visão nítida do mundo exterior, me detive em olhar as pessoas que faziam parte do transporte público comigo. Olhei vários rostos estranhos, cansados, estressados, angustiados e pensativos. Pessoas que vão e vem com determinado rumo e uma história única para ser contada. Pensei na minha história também e qual seria o conto que a contaria. Pensei em uma outra pessoa que namorei quando muito jovem ainda. Relembrei meu amor de adolescente, aquele “o meu primeiro amor”. Eu tinha uns 18 anos quando o conheci, estava ainda fazendo Matemática na Federal. Pensava agora em como não era feliz fazendo aquela faculdade. Invadida pelos meus pensamentos da juventude, peço licença ao passageiro que senta ao meu lado e desço do ônibus em direção ao meu apartamento.
Ao chegar perto da frente do prédio, me deparo com um homem grisalho, alto e bem vestido que examina o porteiro eletrônico a fim de encontrar o número certo. O vejo de costas, com uma folha pequena na mão esquerda e ajeitava os óculos com a direita. Aproximo-me e pergunto se este precisa de ajuda. Quando o homem se vira de frente para mim e consigo ver seu rosto, o único pensamento que me veio foi: “eu esperava que isso aconteceria”. Ele quase que num instante, deixa cair a folha no chão e me abraça forte. Já não preciso relembrar mais: o meu primeiro amor estava ali me tocando novamente.
Enfim estávamos eu e ele tomando um café na sala do meu apartamento. Partilhamos toda nossa vida em duas horas de conversa. O tempo parecia estar parado e naquele momento percebi o quanto nossas histórias estavam se cruzando mais uma vez.
Demétrio é seu nome. Havia morado fora de Porto Alegre durante 30 anos; também estava divorciado e tinha duas filhas e um filho. Todos estavam crescidos e moravam em Recife. Contou-me que sua volta era devido à complicações na doença do pai e ele já não poderia mais se ver morando longe dele, no final de sua vida. Ele estava realizado na vida, com bons recursos financeiros e planejando uma velhice tranqüila. Disse-me que sempre teve vontade em me rever e que soube do meu paradeiro com um amigo da época de faculdade.
A última imagem que tinha de Demétrio era de um jovem rapaz e agora o via com cabelos grisalhos e dor na coluna. Muda-se toda a representação que tinha dele. Pensava ao ouvi-lo: o quanto do jovem rapaz estava ainda ali e o que não conhecia era a maior parte. Não estava desconfiando dele, mas refleti sobre o fato de tê-lo dentro de casa, quase como um estranho. Afinal, a situação estava tão confusa para mim.
Depois de muita conversa, combinamos de nos encontrar noutro dia. Trocamos telefone e e-mail. Despedi-me de Demétrio, o levei até a porta e ao estar novamente sozinha, me dei conta de tanta coisa que minha atitude mais saudável foi de gritar. Gritei num tom moderado e me sentei no sofá, pensativa e surpresa.
Ao longo de algumas saídas com Demétrio, pude perceber o homem maravilhoso que ele havia se tornado. Gentil, educado, vaidoso e bem-humorado. Tudo que não conhecia nele me fazia querê-lo ainda mais. Pensava o quanto eu estava melhor, sem ser jovem e ele, na mesma situação. Melhoramos e muito com a idade, o tempo e as vivências que tivemos. Redescobri o que significava ir ao cinema de mãos dadas e também me descobri tendo prazer pós-menopausa. Demétrio e eu estávamos reacendendo uma paixão que fora tão especial em nossas juventudes.
À medida que nossa relação foi ficando mais sólida, convidei Demétrio para visitar meu filho em São Paulo num final de semana. Estava tão entusiasmada com aquele momento que seria tão nosso – do ponto de vista da viagem a dois e ao mesmo tempo tão meu. Meu porque pela primeira vez apresentaria a meu filho um namorado e reafirmaria toda a independência que busquei depois do meu casamento. Agora eu entendia que amor como aquele só se tem com uma pessoa. Sortudamente, eu estava tendo um grande amor com a mesma pessoa em duas fases da minha vida. Sentia-me tão apaixonada e encantada por Demétrio. Um homem sedutor, atraente, inteligente e divertido. Parecia que ele não era real às vezes.
Nossa viagem para São Paulo foi ótima. Eu estava completamente feliz perto dele e do meu filho que era um grande orgulho na minha vida. Sentia-me rejuvenescida e ao mesmo tempo madura o bastante para não me decepcionar com um possível fim da nossa relação. Lembro-me dos ótimos passeios que fizemos, juntamente com a noiva de meu filho. Saímos para jantar no sábado em um restaurante japonês, o qual todos gostam de comer. Tivemos ótimos assuntos durante o jantar. Minha nora entusiasmada com o casamento me perguntava sobre tudo que poderia ou não fazer na cerimônia. Eu tentava dar total atenção a ela, riamos bastante também de suas idéias um tanto quanto estranhas; mas para quem eu não parava de olhar era ele, o meu Demétrio. Estava totalmente absorta naquela paixão e minhas afirmações sobre minha maturidade se faziam destruídas tamanha minha entrega àquele homem.
Desde à tarde do nosso reencontro, eu não pude administrar tantos sentimentos ao mesmo tempo. Esse é o conto da minha história, contada no momento que estou novamente internada nesse hospital, com certa dose de medicamentos afetando meu estado de humor. Mas, Demétrio está aqui deitado na cama ao lado, me olhando com paixão. Todos podem dizer que ele nunca retornou, mas, eu sei que esse amor é único e verdadeiro. 

Criado por Bruna Costa da Silva
Oficina de Escrita Criativa com Charles Kiefer -  Setembro de 2011 - PUCRS

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