Estava pensando como
sobre tinha sido meu dia de trabalho enquanto passávamos pelo posto de gasolina
da esquina. Naquele ônibus lotado e caótico, minha única preocupação era em
como terminar meu quadro que começara na noite anterior. Depois desse
pensamento, me peguei rindo de mim mesma; pois ao longo dos anos a minha vida havia
tornado-se tão tranqüila e todas minhas preocupações eram provenientes de meus
próprios feitos. Sentia-me tão plena naqueles instantes. Um filho criado, um
divórcio, muitos alunos, família e amigos. Minha vida se ampliava e se reduzia a
pessoas e por elas que vivia. Realmente eu era bem preocupada com todos e no
meio dessa reflexão cotidiana, me senti mais preocupada comigo do que em
qualquer outro momento da minha vida inteira, ao longo desses 58 anos.
Passados alguns minutos
sem ter uma visão nítida do mundo exterior, me detive em olhar as pessoas que
faziam parte do transporte público comigo. Olhei vários rostos estranhos,
cansados, estressados, angustiados e pensativos. Pessoas que vão e vem com
determinado rumo e uma história única para ser contada. Pensei na minha
história também e qual seria o conto que a contaria. Pensei em uma outra pessoa
que namorei quando muito jovem ainda. Relembrei meu amor de adolescente, aquele
“o meu primeiro amor”. Eu tinha uns 18 anos quando o conheci, estava ainda
fazendo Matemática na Federal. Pensava agora em como não era feliz fazendo
aquela faculdade. Invadida pelos meus pensamentos da juventude, peço licença ao
passageiro que senta ao meu lado e desço do ônibus em direção ao meu
apartamento.
Ao chegar perto da
frente do prédio, me deparo com um homem grisalho, alto e bem vestido que
examina o porteiro eletrônico a fim de encontrar o número certo. O vejo de
costas, com uma folha pequena na mão esquerda e ajeitava os óculos com a
direita. Aproximo-me e pergunto se este precisa de ajuda. Quando o homem se
vira de frente para mim e consigo ver seu rosto, o único pensamento que me veio
foi: “eu esperava que isso aconteceria”. Ele quase que num instante, deixa cair
a folha no chão e me abraça forte. Já não preciso relembrar mais: o meu
primeiro amor estava ali me tocando novamente.
Enfim estávamos eu e
ele tomando um café na sala do meu apartamento. Partilhamos toda nossa vida em
duas horas de conversa. O tempo parecia estar parado e naquele momento percebi
o quanto nossas histórias estavam se cruzando mais uma vez.
Demétrio é seu nome.
Havia morado fora de Porto Alegre durante 30 anos; também estava divorciado e
tinha duas filhas e um filho. Todos estavam crescidos e moravam em Recife.
Contou-me que sua volta era devido à complicações na doença do pai e ele já não
poderia mais se ver morando longe dele, no final de sua vida. Ele estava
realizado na vida, com bons recursos financeiros e planejando uma velhice
tranqüila. Disse-me que sempre teve vontade em me rever e que soube do meu
paradeiro com um amigo da época de faculdade.
A última imagem que
tinha de Demétrio era de um jovem rapaz e agora o via com cabelos grisalhos e
dor na coluna. Muda-se toda a representação que tinha dele. Pensava ao ouvi-lo:
o quanto do jovem rapaz estava ainda ali e o que não conhecia era a maior parte.
Não estava desconfiando dele, mas refleti sobre o fato de tê-lo dentro de casa,
quase como um estranho. Afinal, a situação estava tão confusa para mim.
Depois de muita
conversa, combinamos de nos encontrar noutro dia. Trocamos telefone e e-mail.
Despedi-me de Demétrio, o levei até a porta e ao estar novamente sozinha, me
dei conta de tanta coisa que minha atitude mais saudável foi de gritar. Gritei
num tom moderado e me sentei no sofá, pensativa e surpresa.
Ao longo de algumas
saídas com Demétrio, pude perceber o homem maravilhoso que ele havia se tornado.
Gentil, educado, vaidoso e bem-humorado. Tudo que não conhecia nele me fazia
querê-lo ainda mais. Pensava o quanto eu estava melhor, sem ser jovem e ele, na
mesma situação. Melhoramos e muito com a idade, o tempo e as vivências que
tivemos. Redescobri o que significava ir ao cinema de mãos dadas e também me
descobri tendo prazer pós-menopausa. Demétrio e eu estávamos reacendendo uma
paixão que fora tão especial em nossas juventudes.
À medida que nossa
relação foi ficando mais sólida, convidei Demétrio para visitar meu filho em
São Paulo num final de semana. Estava tão entusiasmada com aquele momento que
seria tão nosso – do ponto de vista da viagem a dois e ao mesmo tempo tão meu.
Meu porque pela primeira vez apresentaria a meu filho um namorado e reafirmaria
toda a independência que busquei depois do meu casamento. Agora eu entendia que
amor como aquele só se tem com uma pessoa. Sortudamente, eu estava tendo um
grande amor com a mesma pessoa em duas fases da minha vida. Sentia-me tão
apaixonada e encantada por Demétrio. Um homem sedutor, atraente, inteligente e
divertido. Parecia que ele não era real às vezes.
Nossa viagem para São
Paulo foi ótima. Eu estava completamente feliz perto dele e do meu filho que
era um grande orgulho na minha vida. Sentia-me rejuvenescida e ao mesmo tempo
madura o bastante para não me decepcionar com um possível fim da nossa relação.
Lembro-me dos ótimos passeios que fizemos, juntamente com a noiva de meu filho.
Saímos para jantar no sábado em um restaurante japonês, o qual todos gostam de
comer. Tivemos ótimos assuntos durante o jantar. Minha nora entusiasmada com o
casamento me perguntava sobre tudo que poderia ou não fazer na cerimônia. Eu
tentava dar total atenção a ela, riamos bastante também de suas idéias um tanto
quanto estranhas; mas para quem eu não parava de olhar era ele, o meu Demétrio.
Estava totalmente absorta naquela paixão e minhas afirmações sobre minha
maturidade se faziam destruídas tamanha minha entrega àquele homem.
Desde à tarde do nosso
reencontro, eu não pude administrar tantos sentimentos ao mesmo tempo. Esse é o
conto da minha história, contada no momento que estou novamente internada nesse
hospital, com certa dose de medicamentos afetando meu estado de humor. Mas,
Demétrio está aqui deitado na cama ao lado, me olhando com paixão. Todos podem
dizer que ele nunca retornou, mas, eu sei que esse amor é único e verdadeiro.
Criado por Bruna Costa da Silva
Oficina de Escrita Criativa com Charles Kiefer - Setembro de 2011 - PUCRS